sábado, 2 de fevereiro de 2013

Empresa diz ter entregue extintores recarregados e lacrados para boate

02/02/2013 07h18 -

Dono da loja cobrou R$ 250 por recarga de 5 extintores completos de 4 kg.
Incêndio em festa para universitários matou 236 em Santa Maria.

Cadastro de lojamostra situação da manutenção dos extintores da boate Kiss (Foto: Tahiane Stochero/G1)Cadastro de lojamostra situação da manutenção dos extintores da boate Kiss (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Carlos Alberto Webber, proprietário da empresa que vendeu os extintores de incêndio para a boate Kiss, onde 236 pessoas morreram em incêndio na madrugada e domingo (27), afirmou que recarregou e lacrou os cinco extintores da casa noturna em 19 de outubro de 2012, tendo devolvido os produtos pessoalmente para um funcionário do estabelecimento. Em entrevista exclusiva ao G1, ele disse que os extintores são legais e que a manutenção é feita pela empresa de maneira idônea por fornecedores habilitados.
Sobreviventes da tragédia relataram que pelo menos um extintor de incêndio foi manipulado quando o incêndio teve início, mas o dispositivo de segurança não teria funcionado. Por conta disso, o delegado regional Marcelo Arigony afirmou, na terça-feira (29), que os equipamentos poderiam ser falsificados. "Segundo testemunhas e provas preliminares, os extintores podem ser falsos, pois não estavam funcionando, não funcionavam direito”, disse.
"Com certeza nossos extintores não eram falsificados. Te dou certeza disso. A polícia falou que podia ser falsificado com base em depoimentos. Mas ontem (quinta, 31) eu prestei depoimento e entreguei a documentação sobre isso", disse Webber
A recarga de cinco extintores de 4 kg do modelo ABC, que combate fogo em papéis, líquidos inflamáveis e material elétrico, custou R$ 250, segundo Webber. A Previne Equipamentos de Proteção, localizada na Avenida João Luiz Pozzobom, presta serviço para a boate Kiss desde que a casa noturna foi criada, em 2009.
O incêndio durante uma festa para universitários,em Santa Maria (RS), teve início quando a banda Gurizada Fandangueira fazia uso de artefatos pirotécnicos no palco. Segundo relatos de sobreviventes e testemunhas, e de informações divulgadas até o momento pela polícia:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso, para a rua.
- O alvará dado pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.
(Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)
Extintores 'embaixo do balcão do bar'
Weber reiterou depoimento dado ao G1 pela ex-funcionária da boate Vanessa Vasconcelos, de que um dos sócios da boate, Elissandro Spohr, mandava tirar da parede os extintores de incêndio porque achava que os equipamentos ficavam feios e atrapalhavam a decoração.
Meu funcionário foi lá pegar e os extintores haviam sido deslocados e jogados embaixo do balcão do bar"
Carlos Alberto Webber, dono
da empresa de extintores
"Eles tinham na boate cinco extintores. Todos eu revisava e trocava o pó anualmente, e fazíamos teste hidráulico. Todos os anos nós ligamos para ele, avisando que o extintor estava vencendo. Em 2012, eles nos procuraram antes de vencer. Vencia em novembro e nós já recarregamos em outubro, porque nos pediram. Meu funcionário foi lá pegar e os extintores haviam sido deslocados e jogados embaixo do balcão do bar", disse Webber.
O empresário garante que entregou os extintores em perfeito estado de funcionamento, com lacre e registro aptos para uso. Ele acredita que os aparelhos podem ter sido usados após a recarga, antes da tragédia, sem terem sido repostos pela casa noturna.
"Muitas pessoas relataram à polícia que viram jovens brincando com os extintores. Um músico de uma banda também deu entrevista a um jornal do interior do estado afirmando que frequentadores usaram um extintor perto do palco em uma festa em dezembro, sujando um dos instrumentos", afirmou.
"Isso a polícia pode verificar. Aqueles extintores podem ter sido usados, manuseados, despressurizados e não estavam funcionando mais depois que entregamos. Isso foge à nossa responsabilidade. É responsabilidade dos proprietários pedir a revisão dos extintores se não estiverem aptos".


Em depoimento à Polícia Civil, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira disse que tentou usar um extintor de incêndio quando o fogo começou, retirando lacre e apontando na direção das chamas no teto, mas que o extintor não funcionou. Ele afirmou ainda que o registro do equipamento apontava que o conteúdo era baixo ou quase zero.
Segundo a empresa, os extintores podem despressurizar se movimentados ou armazenados irregularmente, fazendo com que o ar saia pela mangueira e deixe no tubo apenas o pó. Para evitar problemas, responsáveis pelo prédio devem verificar regularmente a situação e solicitar a nova recarga, manutenção ou, se necessário, troca de equipamentos, como mangueiras, registros e acessórios.
Dois dos cinco extintores da Kiss tinham sido fabricados em 2003, haviam sido comprados pela Kiss de outra empresa, e tiveram uma revisão total feita pela Previne em 2008, pois o prazo de validade dos cascos é de cinco anos. A próxima revisão teria que ser realizada em abril de 2013. Os outros dois equipamentos haviam sido comprados diretamente da Previne em 2009 e estavam válidos até 2014.
A recarga do pó deve ser feita anualmente. Segundo Webber, o pó, se estiver em perfeitas condições, pode ser reaplicado no casco, pois também tem validade de cinco anos. "Mas o pó é retirado, revisado se pode continuar sendo usado, pois pode estar empedrado ou não estar mais em condições", afirmou.
Extintores de 4 kg era usados pela boate que pegou fogo (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Extintores de 4kg era usados pela boate que pegou
fogo em Santa Maria (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Histórico de recargas
No sistema de conferência da Previne, a reportagem do G1 viu o acompanhamento dos extintores e quando deveria ser a próxima recarga. Desde 2009, quatro recargas haviam sido realizadas anualmente. A primeira em 29 de julho de 2009, quando três extintores vendidos pela Previne a Kiss foram comprados. No ano seguinte, a empresa adiou a recarga, sendo feita só em 25/11/2010. Em 2011 a recarga ocorreu em 11 de novembro e, em 2012, foi antecipada para 19 de outubro.
"Nós sempre ligamos para eles, pois nosso sistema acompanha os vencimentos e avisamos os proprietários. Mas se alguma mudança ocorre, os extintores são usados ou manuseados internamente, não temos como saber", disse Webber.
A Previne é uma das quatro empresas que prestam o serviço na cidade. As outras três são Extintores Itararé, SL Extintores e Extimbrás-Sul. O G1 visitou as quatro lojas e o preço da recarga do extintor de 4 kg ABC, na maioria dos casos, varia próximo de R$ 60. Na SL Extintores, a auxiliar Andreia Cheiran informou que a recarga do produto custava R$ 140, mas que o preço podia ser negociado caso o cliente comprasse sempre com a loja.
Os extintores em pó podem ser de 4, 6, 8, 10 ou 12 quilos. Os mais usados para estabelecimentos comerciais são os 4 kg, de tamanho médio, segundo o Corpo de Bombeiros. Além do extintor ABC, que é o mais completo e era usado pela Kiss, também há o BC (funciona só contra incêndios elétricos e inflamáveis), o de água e o de gás carbônico.
Prisões
Quatro pessoa foram presas na segunda (28) por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços. Nesta sexta-feira (1º), foi prorrogada por 30 dias a prisão temporária dos envolvidos.
Segundo o Ministério Público, a polícia diz que a manutenção da prisão é necessária porque há possibilidade de fuga caso eles sejam soltos nesta sexta, data em que se encerraria a prisão temporária de cinco dias expedidas pelo Judiciário.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações

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