Aabundância de provas e a fartura de indícios que confirmam as ligações do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) com o bicheiro Carlos Augusto de Almeida, o Carlos Cachoeira, indicariam a qualquer um, em sã consciência, que a cassação do mandato do parlamentar seria tão certa como dois e dois são quatro. Seria. Na prática, o senador goiano tem motivos abundantes, fartos e consistentes para acreditar que, se tudo der certo e se for mantida a tradição de hábitos e costumes correntes no augusto Senado, suas possibilidades de escapar da cassação são muitas. E reais.
Provas, contundentes ou não, sobre a quebra de decoro perdem força, para não dizer que se tornam quase inexistentes, quando o processo sai do Conselho de Ética e passa a tramitar nos arredores do plenário, a instância que, definitivamente, vai selar a sorte de parlamentares que estão no fio da navalha, caso de Demóstenes. É no plenário que tudo se define. É no plenário que batem certas emoções, digamos assim. É no plenário que as mais abundantes provas, os mais fartos indícios, as mais robustas constatações sobre malfeitorias cometidas por Suas Excelências perdem força diante de razões que a razão desconhece.
Quanto tal acontece, é aquele espetáculo deprimente: parlamentares que desonraram o mandado, que atiraram a própria honra ao rés do chão e que enlamearam a imagem do Legislativo acabam bafejados pelos ares de condescendência dos colegas e se veem absolvidos de deslizes éticos deploráveis. E depois que a absolvição se consuma, fica sempre a pergunta - irrespondível: quem foi, afinal, que se enfileirou no cordão dos condescendentes? Quem votou pela absolvição, apesar de todas as provas em contrário? Quem foi que virou as costas para os anseios de moralidade? Quem se rendeu deploravelmente aos acertos, às artimanhas de bastidores, para salvar da punição colegas que não mereceriam mais integrar o Poder Legislativo?
Em circunstâncias como essas, ninguém sabe quem foi quem. Alguns dos que votaram pela condenação ainda vêm a público para externar, claramente, que aderiram às expectativas gerais que recomendam a assepsia na vida pública.
A maioria esmagadora, no entanto, se cala, silencia, prefere emudecer sobre suas opções. E o faz com respaldo no princípio de que, sendo o voto secreto, convém não decliná-lo. O que não deixa, até certo ponto, de ser uma explicação plausível. O senador Demóstenes Torres tem experimentado, nos últimos dias, a sensação de que, apesar dos pesares, a excrescência do voto secreto no julgamento de parlamentares que respondem por quebra de decoro ainda pode ser decisiva para livrá-lo do cadafalso.
Como são necessários 41 votos em plenário para que o senador seja cassado, há uma movimentação meio subterrênea, portanto invisível aos olhos do distinto público, direcionada a estimular ausências de parlamentares no dia da votação em plenário. Se a ausência pretendida ocorrer em número razoável, fatalmente o senador goiano será absolvido. Assim já ocorreu muitas outras vezes. A última delas teve como beneficiária dessa excrescência a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF). Em agosto do ano passado, ela foi absolvida por 265 votos a 166 e 20 abstenções no processo que pedia cassação de seu mandato.
Sua Excelência foi processada após revelar-se um vídeo em que ela aparecia recebendo dinheiro do delator do mensalão do DEM, Durval Barbosa. A gravação foi feita em 2006, mas divulgada apenas no início de 2011. Para que perdesse o mandato, era necessária a concordância da maioria absoluta dos deputados, ou seja, 257 votos (mais da metade dos 513 parlamentares da Casa). A votação, como se vê, ficou longe disso. Demóstenes tem razões para achar que, com o voto secreto, tudo pode acontecer.
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