quinta-feira, 31 de julho de 2014

Os transgressores sabem que nada têm a perder

Suspeitos de envolvimento em corrupção são presos, geralmente, porque a Justiça aceita as alegações de que precisam ficar presos preventivamente porque ocultaram provas capazes de incriminá-los ou porque poderão vir a ocultá-las, em prejuízo das investigações policiais.
A eficácia da prisão desses elementos, no entanto, tem sido cada vez mais suplantada pela liberdade que encontram quando estão sob custódia, ao ponto de poderem manusear à vontade telefones celulares.
Agora mesmo, a Polícia Federal descobriu que o doleiro Alberto Youssef, preso na operação que apura desvios na Petrobras, usou à vontade um telefone celular mesmo na condição de segregado. Telefonou à vontade, mesmo estando preso.
Investigações iniciais apontam que ele fez as ligações, de dentro da carceragem em Curitiba, para ocultar provas que o incriminam. Foram identificados cinco suspeitos de receber propina para permitir o uso ilegal do telefone. Eles estão lotados no setor de custódia da PF paranaense e serão investigados por crime de corrupção passiva.
A delegada que apura o caso já pediu “levantamentos detalhados” como o endereço, o patrimônio e os “principais relacionamentos” dos cinco funcionários da carceragem. Aparecem como suspeitos um agente da Polícia Federal, três guardas municipais e uma funcionária terceirizada. A delegada ainda não sabe se todos colaboraram para a entrada do telefone.
Situações como essas são espantosas porque espantoso é o esquema criminoso em que o personagem preso na capital paranaense desponta como o principal indiciado. O doleiro não é um qualquer. Não é desses que saem pelos quintais, apanhando galinhas a esmo para vendê-las na feira de esquina. Não é.
O doleiro aparece como o implicado principal nas descobertas reveladas pela Operação Lava Jato. Deflagrada em março deste ano, as investigações desmontaram um esquema de lavagem de dinheiro que envolveu mercado clandestino de câmbio e movimentou cerca de R$ 10 bilhões, conforme a Polícia Federal.
Além de Youssef, incluem-se entre os acusados o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, políticos e empresários. A Polícia Federal e o Ministério Público acusam o grupo de lavar dinheiro para o tráfico de drogas e desviar verbas públicas.
A tradução sobre o alcance do esquema está em declarações do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “É um esquema enorme de lavagem de dinheiro e esse dinheiro era utilizado em mais de uma utilidade, tem campanha, corrupção, são vários destinos dessas importâncias. O volume do dinheiro é enorme e as investigações procedem. Eu nunca vi tanto dinheiro na minha vida. É muito dinheiro”, afirmou o procurador.
Sim, “é muito dinheiro”. Sem dúvida que é. E se o principal implicado se permite usar telefone celular para, ao que tudo indica, ocultar provas, essa transgressão criminosa ressai como mais criminosa ainda porque praticada nas dependências de uma carceragem.
A ousadia da transgressão é compatível com o modo de operação dos suspeitos e com o volume impresssionante de dinheiro movimentado no mercado clandestino de câmbio.
Ousados, os transgressores sabem que nada têm a perder. Uma propina ali, outra acolá, o que isso poderá representar de agravamento na pena imposta a quem responde por outros tantos crimes?
Esse, geralmente, é o questionamento que se apresentam encarcerados que não titubeiam em oferecer propina dentro das cadeias públicas. E todas as vezes em que se questionam, acabam se convencendo de que uma propina ali, outra acolá, um telefonema hoje, outro amanhã, nada disso terá tanta relevância no final das contas que devem prestar à Justiça.
Enfim, é o triunfo da ousadia e da transgressão sobre as leis. Espera-se que as leis não se deixem superar por ousados transgressores.

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