segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Sepultados no anonimato formam legião de ignorados

Sepultados no anonimato formam legião de ignorados (Foto: Marcos Santos)
(Foto: Marcos Santos)
São túmulos secretos. Os nomes não existem. O sinal da cruz parece pedir compaixão. No cemitério público no bairro do Tapanã, o cenário dos enterrados é muito semelhante. São inúmeras pessoas mortas que foram parar ali, simplesmente por que, para a sociedade, ainda são desconhecidas.
Nos primeiros seis meses do ano e na primeira semana do mês passado, de acordo com dados do Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp), o DIÁRIO divulgou a morte de quase duas mil pessoas assassinadas em todo o Estado. Desse total, pode-se considerar que uma pequena parcela foi enterrada sem o conhecimento da família. Os chamados “ignorados”, aqueles que morrem e cuja identificação não é encontrada, recebem o mesmo tratamento que os demais, inclusive são enterrados hoje, de uma forma mais digna.
Porém, o trajeto muitas das vezes não é acompanhado ou não é conhecido por aqueles que seriam os mais interessados.
Esse número vem diminuindo, segundo relatório interno do Instituto Médico Legal (IML). Somente nos primeiros seis meses deste ano, 130 atendimentos de familiares que buscam no IML pessoas desaparecidas foram realizados. Desse total, 122 foram encontrados sem vida. Quarenta e um já foram sepultados como ignorados no cemitério público e 84 foram identificados por parentes e liberados pelo IML.
Em comparação ao mesmo período em 2012, nos primeiros seis meses 78 atendimentos foram feitos, 60 foram encontrados sem vida, 31 cadáveres já foram sepultados como ignorados e 41 foram liberados após a identificação de familiares.

PROGRAMA
O motivo do número de cadáveres desconhecidos ser identificado cada vez menos, seria o bom funcionamento do Programa de Cadáveres Ignorados no Centro de Perícia Renato Chaves, implantado na instituição desde 2011. No programa, é feito uma triagem dos cadáveres dentro das informações repassadas por familiares, detalhes da fisionomia e todas as características antropológicas do desconhecido, desde a cor do cabelo, peso, altura, se possui bigode ou barba, que roupa estava usando quando foi encontrado, até a existência de uma tatuagem em qualquer parte do corpo ficam todas registradas em um banco de dados do programa que, vem desenvolvendo resultados positivos.
“O objetivo do programa é humanizar essa identificação em termos de mostragem, desse contato dos possíveis familiares com o cadáver antes da plena certeza de reconhecimento. Do processo de identificação da família e o Centro de Perícias Renato Chaves. Se não tiver nenhum sinal de identificação, o familiar não pode entrar na sala onde estão os cadáveres. Por isso é feito essa triagem com todas as informações que possa vir identificá-lo, como o exame de DNA, se necessário e, paralelo a isso, também é feito exame de Odontologia Legal”, explicou Jones Mota, perito criminal há 15 anos no CPC. Para provar o parentesco, é necessário não apenas o reconhecimento, e sim, a identificação. Os métodos de identificação são: DNA, Odontologia Legal e Papiloscopia, somente dessa forma, é possível concluir de forma concreta a identificação. Todo o processo é feito por uma equipe multifuncional, peritos de vários setores do Instituto.
De acordo com os peritos do CPC, o programa foi criado baseado no protocolo brasileiro de reconhecimento para grandes tragédias. Nesse sentido, o programa ajudou bastante em casos como a queda de um bimotor em março deste ano, que saiu de Belém com destino ao Estado do Amapá, mas na região noroeste do Pará caiu e matou dez pessoas. Para a identificação dos corpos, que foram carbonizados, foi necessário o trabalho predominante da Odontologia Legal.
Também há casos que depois de enterrados, os cadáveres são identificados pela família. Como existe o banco de dados, tudo é identificado através dele. Somente em caso excepcional há exumação cadavérica – retirada do corpo após sepultamento –, quando a Justiça solicita para esclarecer dúvidas durante a investigação policial. Um exemplo muito repercutido foi o caso do menino Kelvys, em junho do ano passado, que teria ressuscitado durante velório e depois morrido novamente. Foi necessária a exumação para que nova perícia esclarecesse dúvida da polícia.

ENTERRO
Quando todas as tentativas de identificação dos desconhecidos são esgotadas, por lei, é permitido que o cadáver permaneça no IML por um prazo de 30 dias em uma câmara fria, em baixa temperatura, quando ainda dá pra garantir, mas o DNA fica em reserva. Antes do sepultamento, o CPC divulga em edital o enterro do ignorado, coloca algumas informações básicas em uma possível tentativa de encontrar algum parente ou conhecido do ignorado. Caso comprovado que o cadáver reconhecido foi identificado, a família tem o prazo de 10 a 15 dias para remover o cadáver para sepultamento.
A assessoria de comunicação do Instituto Médico Legal (IML) tem o papel de publicar o edital de sepultamento, com as principais características do cadáver. O trabalho da imprensa também é considerado fundamental para que se possa colher informações e tentar identificar o cadáver, principalmente para os familiares.
Há um tempo, o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves se deparou com um problema: os ignorados eram enterrados em grandes caixas de madeira. Hoje o cenário mudou. Com recursos próprios, o instituto realiza o sepultamento do cadáver ignorado em urnas padronizadas.
(Diário do Pará)

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